Dos 131 participantes em seis municípios, 57 são representantes de etnias indígenas.
Técnicos do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae-AM), designers gráficos e designers de produtos da Fundação Centro de Análise, Pesquisa e Inovação Tecnológica (Fucapi) concluíram, nesta semana, a capacitação de 131 artesãos em seis cidades amazonenses. Do total, 57 pertencem a etnias indígenas.
“O treinamento superou nossas expectativas, pois estimávamos capacitar 100 artesãos no total”, avalia a gerente da Unidade Atendimento Coletivo Comércio do Sebrae-AM, Cione Guimarães. A nova fase do projeto é processo de curadoria dos produtos, quando podem ser sugeridos ajustes ou modificações nas peças para torná-las mais atraentes em termos de marcado. A meta é levar os produtos escolhidos para quatro das seis cidades-sede da Copa das Confederações. “Salvador, Brasília, Rio de Janeiro e Fortaleza”, completa.
Os cursos de capacitação, cujo principal objetivo é incentivar a melhoria de processos e produtos, são resultado da parceria entre o Sebrae/AM e Fucapi como parte do Programa Expoarte, que busca dar visibilidade ao artesanato brasileiro durante os próximos eventos esportivos que serão realizados no país.
Passaram pelo treinamento artesãos de Manaus, Parintins, Novo Airão, Tabatinga, São Gabriel da Cachoeira e Barcelos. Para as monitoras do projeto, foi uma experiência gratificante conviver com a realidade das comunidades de artesãos, principalmente as indígenas. E um desafio aliar as técnicas pedagógicas do treinamento, baseadas em conceitos de design de produtos e otimização de cadeia produtiva, a um cotidiano muitas vezes carente.
Em São Gabriel da Cachoeira, o curso foi realizado na maloca da Federação das Organizações Indígenas do Alto Rio Negro (FOIRN). A coordenadora de Artesanato do Sebrae/AM, Lilian Simões, acompanhou a equipe. A estratégia das monitoras, antes de ministrar o treinamento, foi conhecer in loco as experiências dos artesãos locais. “Fomos até a Comunidade do Areal, onde vivem 25 famílias indígenas das etnias Baniwa, Coripaco, entre outras. Na comunidade foi possível visualizar todo o processo de produção da cestaria em fibra de arumã e as condições em que são realizadas”, conta Iuçana Mouco, monitora do curso realizado São Gabriel da Cachoeira e Barcelos, onde ela e a designer Michelle Costa encontraram uma realidade bastante peculiar.
Embora o artesanato esteja inserido em um universo de criatividade e riqueza cultural, é possível observar em alguns casos que o próprio artesão não valoriza o seu trabalho. “No Alto Rio Negro, muitas vezes o artesanato é produto de escambo. Eles (artesãos) trocam as peças por roupa, por comida. O foco não é o mercado”, afirma Michelle. Segundo ela, “os artesãos conhecem bem o seu processo produtivo, porém encontram dificuldades em mensurar a quantidade de insumos e materiais, o tempo que se leva da coleta da matéria prima até a confecção do produto final; isso significa um problema quando se pensa numa produção voltada para uma determinada demanda, além de não contribuir na formação de um preço justo”.
Conhecida a realidade dos alunos, a estratégia foi investir nas atividades práticas, utilizando as referências do cotidiano dos participantes para estimular a criatividade dos artesãos. A designer conta que surgiram, então, ideias interessantes sob o ponto de vista do empreendedorismo. “Uma das alunas contou que os turistas procuram lembranças para os filhos pequenos. E ela propôs, então, produzir brinquedos iguais aos que eles próprios brincavam quando crianças”.
“Em resumo, o que a gente queria que eles entendessem é que eles não vendem produtos. Eles vendem a história e a tradição cultural”, diz Michelle.
No Alto Rio Negro, cestaria era coisa de homem
Na região do Alto Rio Negro, predominam os produtos de cestaria, bancos para rituais, vestimentas, adereços e material em piaçava, produto abundante na região de Barcelos. No contato com as comunidades, as monitoras notaram, ainda, uma mudança nos hábitos dos indígenas. Entre os baniwa, por exemplo, a cestaria, antes tarefa atribuída aos homens – as mulheres cuidavam da lavoura – passa a ser também dominada pelas mulheres. Na tradição dos baniwa, cestaria de arumã é trabalho masculino, assim como outras tarefas artesanais. Os cestos de arumã são utilizados no processamento da mandioca brava, que constitui base da alimentação indígena.
E a tradição vem de um mito, configurado na figura de Kowai, filho do criador Nhiãperikuli, quando três rapazes iniciandos são devorados por transgridem regras alimentares. Kowai, transformado em monstro, vomita seus restos em balaios e tipitis, como se fossem massa de mandioca, colocando-os na praça da aldeia, defronte à casa ritual, simbolizando suas mortes como crianças.
No ritual de iniciação, os meninos baniwa em reclusão aprendem a fazer cestaria de arumã, cujas peças serão ofertadas às kamarara, suas amigas rituais. No mesmo mito, a cestaria de arumã aparece também ligada à iniciação das meninas, que recebem o benzimento final da reclusão pisando num balaio e tendo outro cobrindo a cabeça, os quais serão removidos depois que as regras de convivência social forem transmitidas pelo benzedor.
Há décadas, os homens baniwa também fazem cestaria de arumã como fonte de renda. Tradicionalmente, as mulheres ajudam os maridos, especialmente na fase de acabamento e embalagem, mas aos poucos vão também assumindo a produção do material.
Em Manaus, a primeira vez dos tikuna
Ao contrário dos indígenas do Alto Rio Negro, em Manaus, a Comunidade Indígena Tikuna Wotchimaücü, na Cidade de Deus, recebeu pela primeira vez um treinamento de capacitação com foco em estratégias de mercado. Foram 16 artesãos capacitados em três dias de treinamento. Os artesãos se surpreenderam com a capacidade de uma embalagem adequada agregar valor ao produto.
“A gente não tinha ideia de como fazer. Quando precisamos, a gente embrulha as peças com um pano para não arranhar e despacha”, conta o líder da comunidade, Domingos Ricardo Florentino. No local vivem oito famílias, 89 pessoas no total. Dessas, 18 trabalham com artesanato. “Foram três dias muito importantes para a gente”, disse Domingos.
O treinamento também foi uma experiência nova para as designers da Fucapi. “Procuramos primeiro entender o significado dos grafismos para depois trabalhar com os conceitos, utilizando principalmente imagens, até mesmo pela questão da língua, pois a maioria não fala o Português”, conta Emmanuelle Cordeiro, monitora do curso.
Também entre os tikunas, o destaque é para o acabamento das peças. “Eles têm todo um cuidado no com o trançado, com as cores”, diz a designer Hinayana Pinto, outra monitora do treinamento. “O que eles precisam é ter incentivo para dominar a questão dos processos produtivos para poderem se produzir com foco no mercado. O produto deles é de excelente qualidade”, analisa a designer de produtos.
Já em Tabatinga, a motivação é a possibilidade de verem seus produtos expostos nos grandes eventos esportivos até as Olimpíadas de 2016, informa o cocama Edson Tenazor, presidente da Associação de Artesãos de Tabatinga – ArtTaba.
Fonte: SEBRAE/AM