
Reportagem cita Alexandre de Moraes como integrante da corte que “agiu unilateralmente, encorajado por novos poderes que concedeu a si mesmo que lhe permitem atuar como investigador, promotor e juiz ao mesmo tempo
O jornal New York Times publicou um artigo nesta segunda-feira (26) questionando se o Supremo Tribunal Federal (STF) brasileiro, mas em especial o ministro Alexandre de Moraes, não está “indo longe demais” em nome da democracia.
Ao longo da publicação, o veículo menciona ações do magistrado que poderiam ser consideradas repressivas e que estariam empurrando o Brasil para uma queda antidemocrática a pretexto de defender a democracia.
“Será que a suprema corte brasileira está indo longe demais? Pergunta o título de reportagem publicada pelo jornal americano, que considera ‘alarmantes’ as últimas decisões de Moraes, a mais recente que autorizou agentes federais a fazer buscas e apreensão na casa de oito grandes empresários brasileiros, congelou suas contas bancárias, bloqueou registros financeiros, sigilo telefônicos e digitais e ordenou a suspensão de redes sociais.
A matéria destaca e classifica como ‘alarmente’ a ordem de Moraes de mandar investigar boa parte do PIB brasileiro após uma conversa, um bate-papo, em um grupo privado no WhatsApp onde eles reclamaram da inflação, enviaram memes e, às vezes, compartilharam opiniões inflamadas.
“Era uma espécie de vestiário digital para dezenas dos maiores empresários do Brasil. Havia um magnata do shopping, um fundador de roupas de surf e o bilionário das grandes lojas do Brasil”, diz a reportagem escrita pelos correspondentes no Brasil, Jack Nicas and André Spigario, citando o comentário que suscitou a decisão de Moraes:
“Prefiro um golpe ao retorno do Partido dos Trabalhadores”, disse José Koury, outro dono de shopping, em 31 de julho, referindo-se ao partido de esquerda que lidera as pesquisas nas eleições presidenciais. O dono de uma rede de restaurantes respondeu com um GIF de um homem aplaudindo”, escreveram os jornalistas.
“Mas o que se seguiu talvez tenha sido ainda mais alarmante para a quarta maior democracia do mundo”, diz o texto descrevendo os acontecimentos depois depois desse bate-papo.
O Times cita que a única evidência citada foram os grupos de mensagens de WhatsApp, que foram vazadas para um jornalista. Nas mensagens, apenas dois dos oito participantes sugeriram que poderiam apoiar um golpe.
O jornal lembra ainda que Moraes já mandou prender cinco pessoas, sem julgamento, em resultado de posts de redes sociais e que também ordenou a remoção de milhares de posts e vídeos, com pouco espaço para contestação. “Foi uma demonstração crua de força judicial”.
No processo, de acordo com especialistas em direito e governo ouvidos na matéria, o tribunal tomou seu próprio rumo repressivo.
Ainda segundo o artigo, em 2019, alguns meses após a posse de Bolsonaro, um documento de uma página expandiu enormemente a autoridade da Suprema Corte.
“Na época, o tribunal enfrentava ataques online de alguns apoiadores de Bolsonaro. Normalmente, os policiais ou promotores teriam que abrir uma investigação sobre tal atividade, mas não o fizeram. Assim, Toffoli, o presidente do tribunal, emitiu uma ordem concedendo à própria Suprema Corte a autoridade para abrir uma investigação. O tribunal investigaria “notícias falsas” – Toffoli usou o termo em inglês Fake news – que atacassem “a honra” do tribunal e de seus juízes.
Foi um papel inédito, transformando o tribunal em alguns casos em acusador e juiz. Em muitos casos, prossegue o texto, “o senhor Moraes tem agido de forma unilateral, apoiado pelos novos poderes que o tribunal concedeu a si mesmo em 2019, em uma decisão de uma única página que permite a seus ministros agir como investigadores, promotores e juízes, de uma só vez”.
E foi o que aconteceu, diz a reportagem afirmando que para conduzir a investigação, Toffoli chamou Moraes, que em sua primeira ação, ordenou que a revista brasileira, Crusoé, removesse um artigo online que mostrava ligações entre Toffoli e uma investigação de corrupção. “Moraes chamou isso de “notícias falsas”.
Andre Marsiglia, advogado que representou Crusoé, disse que a decisão foi surpreendente. “A Suprema Corte muitas vezes protegeu as organizações de notícias de decisões de tribunais inferiores que ordenavam tais remoções. Agora, “era o motor da censura”, disse ele. “Não tínhamos a quem recorrer.”
O caso de maior repercussão lembrado pela publicação é o da prisão do deputado federal Daniel Silveira, que criticou Moraes e outros ministros em uma transmissão ao vivo online.

“Tantas vezes eu imaginei você levando uma surra na rua”, disse o deputado Daniel Silveira na transmissão ao vivo. “O que você vai dizer? Que estou incitando a violência?”
O Supremo Tribunal votou por 10 a 1 para condenar o Silveira a quase nove anos de prisão por incitar um golpe. O presidente Bolsonaro concedeu o perdão logo depois.
Moraes ordenou que as principais redes sociais removessem dezenas de contas, apagando milhares de suas postagens, muitas vezes sem dar um motivo, de acordo com um funcionário da empresa de tecnologia que falou sob condição de anonimato para evitar provocar o juiz.
Quando a empresa de tecnologia desse funcionário revisou as postagens e contas descobriu que grande parte do conteúdo não violava suas regras, disse o funcionário.
A tomada de poder pela mais alta corte do país, dizem especialistas jurídicos, minou uma importante instituição democrática no maior país da América Latina, enquanto os eleitores se preparam para escolher um presidente em 2 de outubro.
O jornal diz ainda que líderes políticos de esquerda e grande parte da imprensa e do público brasileiro apoiaram as ações de Moraes como medidas necessárias para combater a suposta ameaça.
Mas muitos especialistas jurídicos dizem que as demonstrações de força de Moraes, sob a bandeira de salvar a democracia, estão ameaçando empurrar o país para uma queda antidemocrática.
“É a história de todas as coisas ruins que acontecem na política”, disse Luciano da Ros, um professor brasileiro de ciência política que estuda a política do judiciário. “No começo você tinha um problema. Agora você tem dois.”
“Historicamente, quando o tribunal deu a si mesmo um novo poder, não disse depois que estava errado”, disse Diego Werneck, professor de direito brasileiro que estuda o tribunal.
“Os poderes que são criados permanecem.” Se nenhum candidato receber mais de 50% dos votos na eleição de 2 de outubro, os dois primeiros colocados enfrentarão um segundo turno em 30 de outubro.
” Nos Estados Unidos, a Suprema Corte avalia de 100 a 150 casos por ano. No Brasil, os 11 ministros e os advogados que trabalham para eles emitiram 505.000 decisões nos últimos cinco anos”
“No mês passado, Mr. Moraes se tornou ainda mais poderoso ao assumir a presidência da corte eleitoral que vai supervisionar as eleições”, aponta ainda a publicação. Procurado pela reportagem do jornal americano, Alexandre de Moraes não se manifestou.
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